Na perspectiva do comércio de materiais de construção, dividiremos a leitura em quatro fases distintas: I) consequências da heterodoxia da nova matriz econômica; II) recuperação pós-impeachment de Dilma Rousseff; III) novo governo e pandemia; IV) perspectivas e projeções de vendas para o final de 2022 e 2023.
Seremos exatos nos números e superficiais, porém fidedignos, na contextualização econômica.
Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), no acumulado do biênio 2015/2016, o faturamento do comércio de materiais de construção decresceu 18,2%, em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado), e decresceu 12%, nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas com inflação), sobre o ano de 2014 (vide gráfico adiante).
Assim, em termos reais, quase 1/5 do dinheiro do comércio do segmento desapareceu, como consequência da heterodoxia da nova matriz econômica (I) que, originariamente, por meio da intervenção do estado, visava mitigar as consequências da crise financeira mundial de 2008, abandonando, entre outros malefícios, o tripé macroeconômico que estabilizou a economia (regime de meta para inflação, câmbio flutuante e meta fiscal, cujo objetivo seria controlar despesas, gerando superávit primário).
Porém, o intervencionismo que deveria ser temporário, no máximo até a economia voltar a andar com as próprias pernas, impulsionou e paulatinamente solidificou, uma tendência do final do primeiro mandato Lula, que já se configurava após a renúncia do ministro da Fazenda Antonio Palocci, em 2006, e ascensão do novo ministro Guido Mantega, egresso da presidência do BNDES: a política econômica desenvolvimentista de Dilma Rousseff, oportunamente batizada de nova matriz econômica.
Assim, chegamos ao meado de 2016, pós-impeachment (II) e com o Brasil quebrado, na maior recessão da história, com o novo governo iniciando uma série de medidas visando restaurar a confiança interna e externa na economia, responsabilidade fiscal (incluindo a promulgação da Lei do Teto de Gastos Públicos), controle da inflação e modernização, flexibilização e redução da judicialização das relações trabalhistas, entre outros benefícios.
Ato contínuo, saiu de cena o estado indutor do crescimento econômico (incluindo juros subsidiados por bancos públicos), para dar lugar à iniciativa privada, também retomando políticas de concessões e privatizações. Nesse mesmo ano, aprovou-se um importante marco regulatório para moralização das empresas públicas, deficitárias e corruptas: a Lei das Estatais.
Nesse ambiente, no acumulado do triênio 2017/2018/2019, o faturamento do comércio de materiais de construção cresceu 17,8%, em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado), e cresceu 26,5%, nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas com inflação), sobre o ano de 2016 (vide gráfico adiante).
Então, ainda em 2019, no meio de um cenário de consistente recuperação das vendas de materiais de construção, o novo governo eleito (sai Michel Temer, entra Jair Bolsonaro), com a promessa de dar continuidade às medidas econômicas modernizantes e desestatizantes, aprovou a Reforma da Previdência, com a perspectiva de economizar, aproximadamente, R$800 bilhões, em dez anos.
Porém, em 2020, surge a pandemia (III), e, a partir de então, relativamente à economia, praticamente todas as forças do novo governo foram direcionadas para minimizar os impactos da necessária política de isolamento social. Ainda assim, houve espaço para aprovar o novo marco regulatório do saneamento básico, que garantiu, em menos de dois anos, aproximadamente, R$72,2 bilhões em investimentos.
Estima-se que foram injetados, somente no ano de 2020, aproximadamente, R$300 bilhões no mercado de consumo, por meio do Auxílio Emergencial, sendo essa a maior política de expansão fiscal da história brasileira. Nesse contexto, essencialmente, consumidores de menor poder aquisitivo começaram a melhorar a precariedade de seus lares. Já, os consumidores de maior poder aquisitivo, com seus empregos garantidos no formato home-office, começaram a melhorar, ainda mais, seus lares.
No ano seguinte, uma nova rodada do Auxílio Emergencial, que injetou, aproximadamente, R$60 bilhões no mercado de consumo, aliada à uma forte recuperação da economia (PIB de 5%, ante queda de 3,3%, em 2020), e do mercado de trabalho, proporcionaram novos crescimentos expressivos de vendas no comércio de materiais de construção… e ainda turbinados pela inflação.
Nesse ambiente, no acumulado do biênio 2020/2021, o faturamento do comércio de materiais de construção cresceu 15,7%, em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado), e cresceu 49,2%, nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas com inflação), sobre o ano de 2019 (vide gráfico abaixo).
Dessa maneira, ao fim desse longo percurso que começou numa recessão sem precedente, passou por um impeachment, seguido por uma substancial mudança nos rumos econômicos, por uma pandemia, seu controle e reabertura da economia, no acumulado 2015 a 2021, o faturamento do comércio de materiais de construção cresceu 11,4%, em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado), e cresceu 66,1%, nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas com inflação), sobre o ano de 2014 (vide gráfico acima).
Enfim, sobrevivemos, e, o melhor, com a necessária musculatura para o final de 2022, que apesar da forte recuperação da conjuntura emprego, renda média real, massa salarial real e confiança do consumidor, apresenta sinais contundentes de desaceleração (natural, após uma bolha de consumo), tornando ainda mais desafiante e incerto o ano de 2023.
Por fim, saindo do campo dos dados consolidados PMC, e entrando no campo das perspectivas e projeções para o final de 2022 e 2023 (IV), no acumulado do biênio, o faturamento do comércio de materiais de construção decrescerá 14,2%, em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado), e crescerá 0,2%, nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas com inflação), sobre o ano de 2021. Ambas projeções apresentam trajetórias de piora, relativamente às projeções estatísticas formuladas no mês anterior (vide dados e informações técnicas sobre o método no gráfico abaixo).
Ressalta-se que esse é um modelo puramente matemático, ou seja, não antevê e pondera variáveis sociopolíticas e econômicas futuras. Feita essa ressalva, por ora, a julgar pelas primeiras iniciativas do novo governo na transição, há motivos de preocupação.