PEDREIROS: DO MERCADO À RESPONSABILIDADE SOCIAL

Ao cruzarmos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) com o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED), relativos a dezembro de 2021, é possível afirmar que do total de 7.465 milhões trabalhadores na Construção (executores formais e informais em construções diversas, como infraestrutura e edificações; reformas, manutenções correntes, complementações e alterações de imóveis), 68,5% não têm carteira assinada. Desses, uma mínima parte pode ser PJ, sendo, portanto, que a maior parte desses trabalhadores vive à margem do mercado formal.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

MERCADO 

As pesquisas semestrais da Fundação de Dados, cujo filtros são a obrigatoriedade dos consumidores terem realizado obras/reformas residenciais no último ano, seguidamente indicam que os pedreiros são os profissionais mais contratados, e, consequentemente, em termos absolutos entre os executores, são os maiores influenciadores para escolha dos produtos e marcas que serão comprados, não só dos materiais básicos, mas também, dos materiais de acabamento.

Afinal, estamos falando do perfil típico do pedreiro das construções e reformas dos lares brasileiros: o faz tudo, da ampliação (ou puxadinho) à pintura.

Apenas nas duas pesquisas de 2021, que totalizou 2.043 consumidores de materiais de construção, na média, 79,4% os contrataram, significativamente à frente do segundo executor mais contratado, o pintor, cuja contratação, em média, foi de 51,7%.

E, para eles, utilizar produtos de qualidade não só facilita o serviço, como também torna a assinatura dos trabalhos, ou, se preferirem, entrega, um forte aliado para recontratações ou recomendações para amigos e familiares.

Apenas para dimensionar o quanto as recontratações ou recomendações são importantes para esses profissionais, segundo pesquisa Fundação de Dados, com 820 consumidores que contrataram pedreiros para suas obras/reformas, 46,6% já os conheciam de serviços anteriores, e 45,1% os contrataram devido à recomendação de amigos/familiares, disparadamente os dois principais meios de contratações.

Porém, segundo grupos de discussão realizados em meados de 2021, dentro do Núcleo de Valorização e Estudos Pedreiros, muitas vezes, suas indicações de produtos e marcas não são atendidas, devido a uma série de fatores: como preço, promoção, indisponibilidade no estoque da loja e, principalmente, outras recomendações de vendedores e balconistas.

Ou, reproduzindo literalmente algumas verbalizações dos próprios pedreiros nos grupos, “É assim mesmo, você pede as coisas, chega lá o vendedor muda tudo e quem se lasca somos nós. Você pede uma coisa e vem com outra: esse é bom, é preço mais em conta, faz a mesma função… mas não é nada disso”. Ou ainda, “Tem algumas empresas que dão brindes aos vendedores que vender o produto deles, então o cara acaba querendo ganhar o que a empresa está oferecendo, o cara vai vender mais o produto que dá brinde para eles”.  Ou, por fim, “O cara vem e fala: mas o vendedor falou que esse é ótimo, estava na promoção…”

Segundo os pedreiros, as motivações para recomendações de produtos e marcas são diferentes, e às vezes, conflitantes, entre esses dois importantes profissionais do segmento. No entanto, são eles os principais guardiões da qualidade dos produtos numa obra.

Mas, independentemente disso, assim como sonhamos com a prosperidade de nossos negócios, os pedreiros também sonham com a prosperidade de seus serviços.

E isso passa, antes, pela valorização humana desses profissionais.

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Muito tem se falado na sigla ESG (Environmental, Social, Governance) ou, em livre tradução, “ambiental, social e governança”, como práticas que contemplariam, de maneira muito sucinta, preocupações e ações empresariais focadas na preservação do meio ambiente, respeito aos seres humanos e integridade nas relações corporativas. 

Ironicamente, um segmento que caminha a passos largos para profissionalização, formalização e melhores práticas, depende, em boa parte, de profissionais que atuam na informalidade e que não sentem orgulho de sua valiosa profissão.

Como consequência dos estudos realizados em 2021, elencamos para a formatação de cursos e treinamentos para os pedreiros seis módulos distintos:

  • Formatos de divulgações nas movas mídias (ou não):  aprimorar os formatos tradicionais de divulgações de serviços, mas também, expandir a compreensão das novas mídias, utilizadas de maneira amadora e inconsistente, embora já exista a percepção por parte deles de que podem ajudá-los a expandir seu horizonte profissional: “Eu peguei uma escola para pintar em Salesópolis. É, eu postei, o engenheiro curtiu e pediu o telefone, eu passei e deu certo!
  • Precificação e técnicas de negociação: não há um método de cálculo para precificação dos trabalhos e preparo para as negociações: “Mas claro que se você  for trabalhar na zona leste é um preço, se for trabalhar nos Jardins, é outro preço, até pelo material, você chega numa obra dos Jardins vai pegar só material bom para trabalhar.” Ou ainda, “…às vezes, você acha uma coisa e no final de tudo esse cara chora, às vezes quer por defeito onde nem tem: você não consegue dar um desconto aqui?
  • Boas práticas para o trabalho diário: pesquisas Fundação de Dados indicam que os itens mais importantes para os contratantes dos pedreiros recomendá-los para amigos e familiares, em ordem de importância, são: ótimo acabamento do trabalho; preço justo cobrado pelo serviço; boa vontade e educação com que atendia às solicitações; conhecimento técnico dos produtos e suas aplicações, pontualidade e cumprimento do cronograma da obra. 
  • Conhecimento de técnicas tradicionais alinhado às novas: não se trata apenas de oferecer cursos e treinamentos para utilização de produtos de seu dia a dia, mas sim, de também expandir seu conhecimento sobre novos produtos, proporcionando a oportunidade de pegarem mais obras: “Eu mesmo só fui abrir meu olho depois de 17 anos, justamente por causa de cimento queimado, porque uma pessoa me pediu, eu não sabia fazer e foi onde eu comecei a fazer cursos online e aprendi coisas novas, principalmente com marmorato, que é uma coisa que eu também estou aprendendo fazer.”
  • Formalização e profissionalização do trabalho: Apoiá-los na formalização de seus serviços, não só como maneira de expandir o universo de clientes, mas também como maneira de incluí-los socialmente: “Me vejo  com meu CNPJ, que hoje eu não tenho, para conseguir alcançar aqueles clientes que precisam de nota, alguns clientes não consigo pegar porque não  tenho CNPJ.  Me vejo melhor profissionalmente em questão de empresa.”
  • Apoio ao empreendedorismo: Estimular a concretização do sonho do empreendedorismo, oferecendo um propósito para o cotidiano de seu trabalho nas obras: “Daqui um ano eu pretendo concluir meu curso de técnico em edificações, é um sonho meu virar mestre de obra, tenho fé em Deus que vou conseguir… “ Ou ainda, “No próximo ano pretendo terminar o ensino médio e entrar no Senai. E começar a fazer o técnico em edificações, para poder assinar um projetinho, que isso vai contar muito para mim também.

Como vimos, não se trata apenas de abordar aspectos técnicos de sua profissão, mas, principalmente, aspectos humanos, oferecendo-lhes perspectivas de desenvolvimento social. 

Assim, fechando e retomando o primeiro parágrafo desse capítulo, boas práticas de ESG das grandes marcas do segmento, passam, também, pela contribuição à dignidade dos pedreiros.

Investir em sua educação, antes de ser um investimento de mercado, é um ato de responsabilidade social.

Artigo originariamente publicado na edição mais recente da revista Revenda Construção; aqui, adaptado e atualizando na introdução os dados PNADC e CAGED.

Newton Guimarães - Pesquisador

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