Materiais de construção e os chimpanzés atirando dardos

O Brasil que saiu para o final de semana, não é o mesmo Brasil que foi dormir na segunda-feira.

Nesse ínterim, o Irã atacou Israel, o frágil arcabouço fiscal do governo brasileiro oficialmente implodiu, e o mercado acordou do sonho de início do ciclo de redução da taxa básica de juros nos Estados Unidos, criando um piso elevado para a continuidade da redução da taxa básica dos países emergentes neste ano.

Países esses, não coincidentemente, mais frágeis fiscalmente, expostos à fuga de dólares e com riscos de retomada da inflação, como o Brasil.

Em livre digressão, os animais irracionais têm inspirado analogias sobre a incapacidade dos animais racionais de lerem cenários e fazerem previsões: a probabilidade não observável, logo, ignorada, de Nassim N. Taleb, ou cisnes negros; a probabilidade observável, mas ignorada, de Michele Wucker, ou rinocerontes cinzas – ou, ainda, como diziam nossas avós, com sua inteligência natural, “elefantes na sala” –, e, por fim, a probabilidade anunciada, mas não realizada, de Philip E. Tetlock, ou chimpanzés atirando dardos em alvos.

Como escreveu Nate Silver,  no clássico “O Sinal e o Ruído”, “Quando a catástrofe chega, buscamos um sinal ao meio do ruído – qualquer coisa que ajude a explicar o caos que vemos ao nosso redor e que propicie o retorno da ordem ao mundo.”

Neste momento, o choque de realidade produziu uma crise de expectativa e ansiedade, que proporcionou algumas mensagens de parceiros para este animal racional que lhe escreve.

Retomando o assunto, o comércio de materiais de construção experimentou um crescimento significativo no agregado dos últimos quatro anos, extremamente voláteis, com pandemia, guerra na Europa, eleições presidenciais sangrentas, primeiro ano do governo Lula: em volume de vendas (faturamento real/nominal deflacionado) de 3,7%; nominalmente (faturamento percebido/volume de vendas deflacionado) de 53% (ambos sobre o ano de 2019).

Apenas considerando os dados mais recentes da Pesquisa Mensal Comércio (PMC), no comparativo acumulado ano primeiro bimestre de 2024 com acumulado ano primeiro bimestre de 2023, cresceu 2,6%, em volume de vendas, e 2%, nominalmente (o crescimento maior em faturamento real evidencia a deflação no comércio do segmento, considerando o período comparado).

Nossas projeções estatísticas mais recentes para o ano, indicam crescimento real mínimo, com crescimento maior, quando adicionada a inflação.

Relativamente à produção física das indústrias de materiais de construção (indicador Insumos Típicos da Construção Civil, agregando produtos identificados com o setor), segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), no agregado dos últimos quatro anos decresceu 1,6% (sobre o ano de 2019).

Apenas considerando os dados mais recentes da PIM, no comparativo acumulado ano primeiro bimestre de 2024 com acumulado ano primeiro bimestre de 2023, cresceu 4,9%.

Paradoxalmente, credita-se, além da base comparativa baixa, a retomada anual da produção das indústrias de materiais de construção ao aumento de investimentos públicos, que impulsionam os programas de moradias populares e obras de infraestrutura, não só devido ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas, também, às verbas ao legislativo para obras nas bases eleitorais municipais.

E, justamente, gastos maiores do que as receitas comprometem o equilíbrio fiscal, com potencial de prejudicar o vigoroso ambiente desinflacionário e propício para a continuidade da redução da taxa básica de juros, afetando as perspectivas para as vendas de bens de consumo duráveis, como materiais de construção.

Na crise anterior, originada, justamente, pelo afrouxamento fiscal iniciado no segundo governo Lula, em 2008, e que explodiu somente em 2015/2016, o comércio de materiais de construção encolheu, em volume de vendas, 18,2%, e, nominalmente, -12%; a produção física das indústrias de materiais de construção encolheu 17,5%, e o PIB encolheu 6,7% (todos sobre o ano de 2014).

Para o ano vigente, por ora, as projeções indicam para um crescimento do PIB de aproximadamente 2% (ao se concretizarem, será o quarto ano consecutivo positivo), com crescimento nominal das vendas do comércio de materiais de construção (ao se concretizarem, será o oitavo ano consecutivo positivo) e da produção física das indústrias de materiais de construção (que muito provavelmente recuperará as perdas de 2023).

Por fim, a conjuntura positiva emprego e renda não muda em um final de semana.

Assim, mesmo com a atual piora dos cenários interno e externo, as perspectivas para o ano vigente no Brasil e no segmento são ainda moderadamente positivas, tempo suficiente para passarem os ruídos e surgirem os primeiros sinais.

Newton Guimarães - Pesquisador

Parceiros Atendidos